terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Apócrifos da Bíblia e Pseudo-Epígrafos



Eusébio de Cesaréia, autor de História Eclesiástica, no capítulo intitulado Das divinas Escrituras reconhecidas e das que não o são, após apontar os livros do Novo Testamento na ordem como os temos hoje na Bíblia Sagrada, menciona outros escritos conhecidos e difundidos pela cristandade no século IV. Ainda que não incorporadas no rol dos textos divinamente inspirados pelo Espírito Santo, algumas destas obras são destacadas pelos historiador, tais como o Evangelho dos Hebreus, Cartas de Barnabé e Apocalipse de Pedro, dentre tantas outras que circulavam livremente pelas igrejas.
Para ele, estes escritos apócrifos distinguem-se dos que a tradição da Igreja julgou verdadeiros, genuínos e admitidos, principalmente porque nenhum dos escritores ortodoxos, os chamados pais apostólicos, mencionavam tais fontes. Também julgava Eusébio que nestas obras o estilo, o pensamento e a intenção dos apóstolos não se faziam refletir e, por isso, considerava a necessidade de rechaçá-los como inteiramente absurdos e ímpios. Não obstante o repúdio incisivo das autoridades eclesiásticas, a circulação sub-reptícia dos apócrifos perdurou firmemente. Aliás, os reflexos do conteúdo desse material podem ser percebidos na produção da arte cristã que marcou todo o período da Idade Média.
Resultado da tradição oral dos primeiros crentes da era cristã, os apócrifos tornaram-se importantes documentos reveladores do modo como vivia e pensava uma grande parcela da cristandade, cuja voz ficou abafada pela Igreja Oficial. Produzidos para satisfazer as curiosidades populares a respeito da infância de Jesus e de seus pais, bem como estabelecer as raízes da nova religião, tais escritos revelam, por um lado, as idiossincrasias do pensamento e das práticas judaicas que marcaram a origem do cristianismo, e por outro, refletem a efervescente e plural cultura gentílica com a qual o Cristianismo passou a lidar cotidianamente em seu processo de expansão.
Muitos séculos depois, a despeito da não terem sido incluídos no cânone das Escrituras cristãs, tais textos continuam despertando a curiosidade do crescente número de interessados nas coisas da Religião. Todavia, o desconhecimento generalizado do conteúdo dos apócrifos tem gerado especulações que somente o exame acurado de seu real teor pode dirimir. Ao editar estes livros, pela primeira vez reunidos em volume único, longe de apresentar uma nova Bíblia aos Cristão, o nosso objetivo é disponibilizar as fontes primárias de um compêndio de riqueza informativa incomensurável para a plena compreensão do Cristianismo e estreitar o contato coma a herança literária legada pelos movimentos populares que se mantiveram marginais no curso da História da Igreja.
A publicação dos proscritos da Bíblia converte-se em uma nova contribuição para os interessados em aprofundar os estudos das Sagradas Escrituras, através de seu cotejo com a produção literária apartada do cânon tradicional. Destarte, o entendimento dos motivadores ideológicos que serviram à produção de ambos, bem como as razões que levaram a Igreja a adotar alguns textos como inspirados e reprovar outros como de origem espúria ou apócrifa, motivar-nos-á reafirmar o amor pela Palavra de Deus.
Prof. Dr. Jaime dos Reis Sant Anna

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